Páginas

terça-feira, 16 de setembro de 2003

Triste espetáculo circense narrado por uma amiga minha:


O início
Um belo dia, numa sexta-feira chuvosa, resolvo sair com um casal de amigos, despretensiosamente. É um daqueles dias em que só penso em dançar e nem olho pro lado. Um dos amigos comenta que um sujeito está me olhando muito e realmente constato que está hipnotizado. Na primeira oportunidade, quando eu fui sozinha ao bar, ele vem até mim: "Oi, eu não ia me perdoar se não viesse falar com você. Estou te olhando há muito tempo". Papo vai, papo vem, acabo simpatizando com ele e ficamos. Tudo lindo, maravilhoso, milhões de elogios e papos numa noite virada manhã a dentro, sem dormir.

O grude
Esta sexta virou sábado, virou domingo e nada de nós nos desgrudarmos. Ele só saiu da minha casa pra ensaiar e voltou horas depois. Durante a semana que se iniciaria, nos vimos praticamente todos os dias. Quando não era em casa, era no almoço. Mais telefonemas e trocas de e-mails o dia todo. Daí, foi me chamar pra ver seu show, eu apresentá-lo pra meus amigos, ele me apresentar pros dele, comprar escova de dente pra deixar lá em casa, todo aquele mis en scene.

O inesperado
Até que sua mãe fica doente no hospital e, num intervalo de uns 10 dias (quando nós nos conhecíamos há apenas 3 semanas), vem a falecer. Eu, em solidariedade a ele, vou ao velório, acompanhada de meu pai, mesmo não conhecendo sua família. Óbvio que tudo poderia mudar daí pra frente. Nós, apesar do grude, nos conhecíamos há pouco tempo, os três irmãos que moravam fora voltaram correndo pra casa, era hora de ele ficar em família, de dar e receber força dos seus naquele momento difícil. Eu, claro, me coloquei à disposição pro que ele precisasse e respeitei o isolamento inicial dele.

De volta
Pensei que fosse demorar mais seu tempo de reclusão, mas dois dias depois do enterro, ele me chama pra sair com seus amigos porque estava precisando espairecer. Saímos, a noite é ótima e tudo parece estar bem entre nós. No dia seguinte, viajo pra passar o feriado com amigos em SP, pensando em deixá-lo à vontade com a família. Ele me liga todos os dias enquanto estou lá e marca, inclusive, de me buscar na rodoviária. Nesses telefonemas, fico sabendo que saiu todos os dias com os amigos e dou força pra que ele possa aliviar a cabeça. Como o dia da minha volta seria o mesmo da missa de 7º dia, ele não pôde me buscar, mas assim que a missa acabou, foi pra minha casa dormir comigo. Dei o presente que tinha trazido de viagem pra ele, passamos uma noite boa, dentro do possível devido à tristeza dele. Tento ser o mais companheira e carinhosa possível. Na manhã seguinte, sai lá de casa dizendo o famoso "Te ligo mais tarde".

O começo do fim
Sempre que dizia que ia me ligar, ele ligava. Desta vez, não ligou. Saí com uma amiga prum bar e, mais ou menos uma hora depois que eu estou lá, chegam ele e uns amigos. Ficam todos na mesma mesa, mas ele não é mais aquele projeto de namorado. Está distante, como se fosse um ficante esporádico. Ia com minha amiga pra outro lugar e chamei seus amigos e ele pra irem. Não quiseram. Despedi-me, ele me deu um beijo e mandou um "Juízo, hein!".

O sumiço
Dias sem ligar. Eu sem saber como agir numa situação em que algo muito maior e mais importante havia acontecido. Porra, o cara tinha perdido a mãe e claro que isto justificava quase toda atitude estranha que ele pudesse ter. Mas, aparecia de vez em quando como se nunca houvesse sumido. Num sábado à tarde, me liga pra dizer que vai jogar futebol (como se me devesse satisfação!!!) e que me liga mais tarde. E o mais estranho: realmente me ligou na volta do futebol. Acabamos não fazendo nada neste dia, mas me ligou uma terceira vez pra saber onde eu estava dizendo que, de repente, aparecia lá. Não apareceu. Os telefonemas foram ficando mais e mais escassos. Mas, nunca se conversou sobre isso. Eu não quis forçar a conversa e deixei rolar. Ele, por sua vez, não se dignou a dar um tchauzinho básico.

O fim
No Dia das mães, liguei pra casa dele pra dar uma força, porque achei que seria um dia difícil. Ele estava viajando. Deixei recado no celular, não retornou. Na terça, não agüentei e liguei pra ele no trabalho, logo de manhã. Perguntei como estava e disse que era uma pessoa importante pra mim e que, por tudo de especial que havíamos tido (o início foi realmente muito bonito), eu queria fechar a coisa numa boa. Pra que a gente pudesse ter uma amizade, sem mágoa, ou pelo menos boas lembranças. Ele ficou desconsertado, me fez alguns elogios, mas não explicou (nem eu pedi) o porquê do sumiço.

O reencontro
Dois meses depois, nos reencontramos num show da banda dele. Quando vi que estava acompanhado, fiquei na minha. Mas, ao fim do show, ele veio todo cheio de coisa pra cima de mim, dizendo que tava com saudade e tal. Eu, que estava livre, não tinha porque evitá-lo. Desovou a mulher, me ligou e fomos dormir juntos. Sempre é muito divertido estar com ele, mas eu percebi que já não sentia a mesma coisa. Era sexo por sexo, o que também é válido, mas o encanto já tinha sido desfeito. Ficamos algumas horas juntos e, como eu tinha compromisso depois, ele foi embora.

A palhaçada
Alguns dias depois, trocamos e-mails por causa de algumas pendências e, papo vai, papo vem, marcamos de sair naquele mesmo dia. Combinamos tudo por e-mail, ele disse que saía do trabalho tal hora e me ligaria. Você ligou? Nem ele. Nem no dia, nem depois. Nem um e-mail, carta, sinal de fumaça. Evaporou. Achei estranho, mas só fiz enterrar de vez. Cagar no pau tem limite.

A cara de pau
Hoje, quase dois meses depois, recebo um e-mail convidando pro seu próximo show, quando estará comemorando também seu aniversário. Morri de rir e respondi:
"Opa, tô lá já! Com o presente na mão!"

O sujeito, ingênuo que só ele, responde:
"Presente? Qual é?"

Vejo aquilo e me recuso a responder. Vêm, então, mais 2 e-mails:
"Vc tá bem??? Como vão as coisas???", igualmente sem resposta, e
"Vc está aí? Terça que vem eu tô viajando... Queria te ver antes. Será que dava???”
HO HO HO! Mas, claro. Prefere vinho ou champanhe? Ora, vá se foder, né?
Mandei a resposta:
"Boa viagem. Vai com Deus".

Pensa que ele ficou satisfeito? Palhaço que é palhaço acredita no seu papel até o fim:
Pô... Q que eu te fiz, para vc ter essa delicadeza toda??? Sutil...

Pensei, pensei. Ia deixar sem resposta, mas achei que poderia até ser vista como maluca pela pobre vítima injustiçada. Resolvi responder como eu acho que devem ser as coisas, jogando limpo:
"A pergunta correta seria o que vc não fez. Dia 18 de julho. Sexta-feira. Vc marcou de sair comigo. Inclusive horário em que ia me ligar. Até hoje, não recebi nenhuma justificativa ou satisfação. Desculpe, Palhacinho, mas aqui não tem moleque não. Eu posso achar vc uma pessoa muito divertida e até gostar de sair com vc, mas não estou à sua disposição. E nunca agi com vc dessa forma. Aliás, muito pelo contrário, sempre fui muito carinhosa e atenciosa. Quem não age como homem comigo não merece minha consideração nem respeito".

Por mim, o assunto estava mais do que encerrado. Mas, não. Ele tem sempre uma resposta na manga:

"Pois é. Vc tem razão. Eu não te liguei. Tive um problema sério e tive que viajar aquele final de semana. Quando voltei, troquei de celular e, realmente por estupidez, não passei a agenda antiga pro tel novo. Ou seja, não tinha mais os seus telefones, porque eu dei o tel velho. Não te mandei e-mail por ter achado que vc estava chateada e q seria impessoal demais uma mensagem. O tempo passou e eu realmente não liguei. Posso até ter vacilado sim, mas nunca agi como um moleque com vc e vc sabe disso. E não se trata de vc estar à minha disposição. Basta conversarmos numa boa e acertar o que ficou mal entendido. Não precisa vir cheia de pedras na mão. Vc sabe que um bom papo resolve tudo e que apesar de tudo, somos amigos e sempre nos demos bem. Não fique puta comigo. Eu não fiz por mal e vc sabe disso..."

Ah! Eu sei??? Conversar numa boa? Que lindo, né? Quase me comoveu. Ainda me dei ao trabalho de mandar a última resposta:
"Um telefonema pra dizer "aconteceu um imprevisto" de 30 segundos não mata ninguém. Isso se chama consideração. Eu não tô puta, não mesmo. Fiquei decepcionada, mas já faz tanto tempo que até isso passou. Faz um favor pra mim, na boa? Me esquece. Já que não tem meus tels, apaga também o meu e-mail".

Mas, o Highlander persiste e dá seu show final:
"É uma pena. Não queria que fosse assim, mas ter que te aturar assim, irritada e sem estar aberta a um papo amigável também é ruim. Se é isso que desejas... E quando eu digo de ficar tudo numa boa, não quer dizer que tenhamos mais nada e sim, que não fiquemos chateados um com o outro. A última coisa que eu quero é te ter como uma pessoa que não gosta de mim... Se bem que teria uma coisa de bom... Vc jamais iria me chamar pra ir na Casa da Matriz... hahaha... Brincadeirinha... E não precisa fazer aquela cara de desdém, que eu conheço muito bem e que sei que acabou de fazer... Foi brincadeirinha..."

Foi. Foi uma grande brincadeira. Tô morrendo de rir até agora.

1 comentários:

Fex disse...

Por que palhaços passam os verbos pra segunda pessoa quando estão tomando uma chamada e querem sair por cima?

Arroubo de Machado de Assis? Se bem me lembro, falar em segunda pessoa não impediu o Dom Casmurro de fazer merda.