Homem é tudo palhaço, até os bonzinhos...
Essa foi relatada por uma amiga minha, que escreve muito bem. O estilo parece até o da Vanessa, mas não é ela, pois as donas do circo sempre assinam sua aventuras. escrevendo. A história é sensacional, ri muito lendo o relato do espetáculo circense em vários atos. O palhaço fazia o personagem bonzinho mocorongo, mas mostrou que mesmo esses fazem palhaçada. É longo, mas vale a pena. Divirtam-se.
Tudo começou quando eu acordei com o sol na cara, uma dor de cabeça desgraçada, completamente pelada, com uns pentelhos masculinos espalhados pelo corpo. Na perna, tinha uma mancha roxa gigante. E do meu lado, na cama, um bilhete escrito em hidrocor rosa: "Você pode não lembrar. Mas foi maneiro. Quando quiser, me liga. Assinado: Fulano, 9999-9999".
A história, na verdade, começara obviamente algumas horas antes. Mas eu não lembro de nada. Segundo relatos, eu estava na festa de final de ano da empresa, fiquei doida e agarrei o primeiro que apareceu. Eu (ou melhor, a pomba-gira que se apoderou do meu corpinho), arrastou o escolhido (Fulano, que eu nunca havia visto mais magro) para uma cabine do banheiro feminino, de onde fomos tirados com truculência pelos seguranças do lugar. Não satisfeita, dei umas lambidas no cangote do estagiário da Arte, empurrei e xinguei o careca que viria a ser meu chefe em um futuro próximo, chamei de psicopata o funcionário novo e quase fui embora com um senhor do alto escalão que eu não sei o nome até hoje. Palhaçadas minhas, admito.
De nada disso eu sou capaz de lembrar, como também não lembro em quais circunstâncias Fulano me levou para casa, como fiquei sem roupa e tampouco como apareceu aquela mancha roxa na minha perna. Não gostei nada do "foi maneiro", mas, como não sou mulher de me conformar com mistérios, assim que cheguei à empresa no dia seguinte, montada em minha mais absoluta cara de paisagem, tratei de mandar um e-mail para o desconhecido íntimo. Na mensagem, me desculpava pelo transtorno e coisa e tal (puro charme), e pedia para, da próxima vez, ele fechar a janela antes de ir embora. (Sim, esqueci de dizer: nosso palhaço distraído me deixou escancarada diante de uma janela igualmente escancarada, que dá para o corredor do meu prédio).
Muito simpático, ele me respondeu dando brechas para um flerte. Quando fui levantar a ficha corrida do rapaz, deixei a mulherada em polvorosa. Eis que Fulano vinha sendo cobiçado há anos por grande parte do público feminino da empresa, mas, espécime raro, era 100% fiel à esposa. De quem, me contaram, havia acabado de se separar. Após os elogios, todas queriam saber: "E aí? Como é que foi?!".
Diabos: sei lá como foi! Agora mesmo é que eu tinha que descobrir. Já que a memória não ajudava, o jeito era solicitar ao moço uma reconstituição do crime. E-mail vai, e-mail vem, assumi que não me lembrava de nada, e pedi que ele ajudasse minha tão combalida memória. A criatura parecia muito solícita, mas nunca marcava efetivamente um dia para resolvermos a questão. Comecei a achar esquisito. Só não desisti porque passei a observá-lo de longe e, sabe aquele tipo que usa calça de strech e camisa pólo da Taco? Que ri das piadas sem graça dos amigos? Que reza antes de dormir? Que gosta de jogar videogame com os sobrinhos, e caminha como um mondrongo? Pois é, esse mesmo. Um desastre total, um sem jeito, um fofo! Não resisto ao tipo.
A ladainha demorou mais ou menos um mês (um tempo absurdo para quem só quer reviver um biscate), e foi então que o palhaço mostrou as garras. Dispensei sugestões de pegar cinema ou jantar: disse para Fulano ir direto lá pra casa, sem rodeios. O moço chegou em sua bermudinha cáqui, tão fofo, os tufinhos de pêlo saindo pela gola da camisa pólo, e não tardou para, desastrado, derramar vinho em nós dois. Um charme!
Para completar, Fulano é desse tipo romântico, apegado à família e que freqüenta retiros da renovação carismática. Ficou falando horas sobre o casamento e a ex-esposa, e acabou confessando que volta e meia ainda dava uns pegas na dita cuja. Por mim tudo bem, nessa época eu também cultivava o estranho hábito de pegar meu ex-marido.
Ia tudo conforme a etiqueta, partimos para a etapa do beijinho, depois para os amassos no sofá, depois para a cama. Até que, aos 47 minutos das preliminares, se é que me entendem, algo muito estranho aconteceu.
Não posso dizer que Fulano broxou. Acho que foi pior do que isso. De repente, sem mais nem menos, a criatura desabou em choro. Eu fiquei apavorada e tentando identificar o que poderia ter sido ("será que eu menstruei? não me depilei? ele é viado? tô fedida?") – mas só tive uma resposta após aninhar o moço no meu colo.
Ele se aconchegou como uma criança, e começou a desabafar: a ex-esposa lhe atormentava a existência. Ele às vezes achava que ela era a mulher da sua vida, outras vezes não achava mais. E bla bla blá. Bla bla blá. O mais bizarro na história foi quanto ele contou que, toda vez que a mulher pressentia que ele andava pegando alguém, aprontava alguma. A arte atual foi ter... gravidez psicológica! Nessa parte da história, o palhaço, todo peladinho no meu colo, desenhou uma enorme barriga imaginária com a mão, mostrando o estado da mulher.
Eu, modéstia à parte, fui uma lady. Ouvi atentamente todo o seu desabafo, dei conselhos, e até o incentivei a ser paciente com a bruxa barriguda. É claro que eu tinha esperanças que, tão logo ele se refizesse da choradeira, voltássemos à programação normal. Hum, doce ilusão! Depois de ser confortado por meus conselhos e cafunés, o calhorda deitou com o rostinho no meu peito e dormiu feito um anjo.
Passei a madrugada toda insone, com aquele homem pelado em cima de mim, roncando. Como esperança é a última que morre, eu aguardava ansiosamente que o dia amanhecesse para que ao menos, quem sabe, ele cumprisse com o script – ainda mais porque, no ângulo em que eu estava, dava perfeitamente para ver a bundinha dele. E era uma delícia.
Mas aí chegou a hora da palhaçada-mor. Assim que Fulano despertou, com um fio de baba escorrendo em cima do meu peito, olhou para o relógio e deu um salto. "Tenho que ir embora!", disse, esbaforido, enfiando as calças. Eu: "Como assim?! São sete da manhã!". E ele: "É, eu prometi à minha ex-sogra ajudá-la a fazer a mudança".
Entrei em desespero. Ou simplesmente não acreditava que aquilo estivesse acontecendo. Tudo bem, não sou nenhuma capa da Playboy, mas também não sou exatamente o que se pode chamar de dispensável. Tentei convencer o palhaço a ao menos tomar um café, me fazer uns carinhos rápidos, ligar para a sapa velha e dizer que foi atropelado, qualquer coisa, mas o mongo fez questão de me explicar, muito paciente: a ex-mulher e a ex-sogra o esperavam para carregar a mudança do Recreio até a Tijuca!
Completamente impotente, vi a criatura sair porta afora, com os tufinhos pra fora da camisa e alguns cabelos meus presos na barba. No dia seguinte recebi um torpedo, que dizia mais ou menos assim: "Me desculpa por tudo. Um dia, quem sabe, te conto todos os meus motivos".
É claro que nunca mais quis saber de motivo algum, não quero mais ver o palhaço nem pintado de ouro na minha frente. E, pior: até hoje não sei o que aconteceu naquela primeira noite.
segunda-feira, 14 de agosto de 2006
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