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terça-feira, 21 de novembro de 2006

Número do desaparecimento: reinventando clássicos

Essa tá fresquinha, aconteceu hoje. Tô eu no meu trabalho, escrevendo aquelas matérias maravilhosas de todos os dias, provavelmente uma com a qual iria ganhar um Prêmio Esso, e eis que toca meu celular. Adivinhem quem era? Um palhaço falecido, quase um morto vivo!

Eu tava saído com esse palhacinho que parecia legal. Educadinho, gentil, divertido e outras cositas más. Ele me ligava sempre, me chamava pra sair várias vezes na semana, demonstrava disponibilidade e interesse. Saímos algumas e na última dormimos juntos, embora já tivessemos transado outras vezes, digamos que essa foi mais proveitosa. Quando nos despedimos, combinamos nos ver de novo em três dias, pois até lá tanto eu quanto ele estávamos enrolados de afazeres e compromissos. O trato era nos encontrarmos de tarde, almoçarmos, irmos ao cinema, tomar um chope e dormir juntos de novo, passar bastante tempo juntos. "Então amanhã eu te ligo pra saber como você está e combinarmos a hora pra eu te pegar", disse o palhaço quando deu tchau. Jacaré ligou? Nem ele. Mais uma edição do manjado número do desaparecimento.

Como sou uma dona de circo experiente, já assisti espetáculos de todas as modalidades, já aprendi que quando eles não ligam, não aparecem, somem não estão doentes, não foram atropelados nem seqüestrados. Simplesmente não estão a fim, mas não têm coragem nem boa educação suficientes pra ligar dizendo que o combinado não vai rolar.

Confesso que, no dia combinado, fiquei meio decepcionada e senti falta dele, mas vida que segue. Dois dias depois já nem lembrava. Quando alguma amiga perguntava "e fulano? Sumiu?" eu respondia "Yemanjá levou de oferenda".

Pois é. O malandro passou um óleo de peroba na cara e ligou "Roberta, é Fulano".

– Eu sei.
– Pô, foi mal ter sumido. Nesses dias aconteceram muitas coisas ruins na minha vida.
– É, é? Que coisa chata.
– Perdi meu emprego e fui mal na prova.
– Você já tinha perdido seu emprego quando nos conhecemos.
– Pois é, juntou tudo. Você tá chateada comigo?
– Não, eu te entendo. Mas acho que você fo mal educado. A prova você ia fazer de manhã e íamos nos ver à tarde. Você não sabia que ia se sair mal e já tinha sumido.
– Não, é que quando acontecem essas coisas eu fico mal...
– Não precisa se explicar ou dar satisfações. Agora, o que combinar tem que cumprir ou telefonar dizendo "hoje vou cortar a unha do pé, não vai dar pra te ver". Sumir é palhaçada e falta de educação.
– Pô, você me perdoa? Estou com saudade, tenho sentido sua falta.
– Perdoar eu perdôo, mas continuo achando que você agiu mal.
– Você não sentiu minha falta?
– No dia senti, mas depois entreguei como oferenda.
– Poxa, me botou na lista dos falecidos?
– Isso, morreu.
– Eu quero te ver, vamos nos ver amanhã?


Ah, palhaço!

– Amanhã não dá, essa semana estou enrolada.
– Enrolada? Você tá namorando outro? É isso que você tá me dizendo? Conheceu outro e está envolvida! –
disse o palhaço ensaiando um piti. Agora vejam vocês, desde quando eu tava namorando ele pra agora estar 'namorando outro'? Posso com isso?

– Não, não estou namorando com ninguém nem estive há muito tempo. Eu já te disse que não namoro. Estou enrolada com compromissos profissionais. Eu trabalho – Tóin!
– Entendi. E na quinta?
– Não sei. Me liga pra ver se vou poder.
– Eu vou ligar, vou ligar. Não vou sumir de novo não.


Duvido que ele ligue, mas vamos ver. Uma amiga que sempre deu força pra eu sair com ele defendeu de novo. "Avisa ele que você só quer o corpinho, não quer namorar e não tá interessada no que acontece com ele, que não quer saber de explicações e chorumelas. Mas continua pegando!". Na hora pensei "é, não tô fazendo nada mesmo...". Depois fiquei pensando no caso e, apesar daqueles olhos azuis cor-de-ardósia-como-os-do-Chico Buarque, não senti a menor vontade de ver ele de novo.

Aguardem próximos capítulos da novela do Palhaço Hell Raiser!

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